Júlia Donley - Precarização do Trabalho Musical

A Beleza do Som

16-08-2021 • 52 min

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Edição e entrevista:

Ivanildo Jesus

Design:

Kas Hoshi e Victor R. Rodrigues

A Precarização do Trabalho Musical





Conta a história que enquanto as formigas se matavam de trabalhar para ter onde se abrigar no inverno a cigarra, musicista, passava as tardes na suposta prática laboral da sua arte. Enfim, quando o inverno finalmente chegou, a cigarra, cujo trabalho não lhe tinha proporcionado esteio, decidiu bater à porta das formigas em busca de abrigo, que lhe responderam da seguinte forma: — Muito bem, você não passou o inverno cantando? Pois agora dance! Na fábula, atribuída a Esopo por La Fontaine, a moral adverte-nos não só quanto à validade de se estar preparado para as adversidades, mas também quanto a uma visão de trabalho que não contempla o fazer artístico do esteta sonoro.

Anos depois outro autor brasileiro, Monteiro Lobato, contou a história à sua maneira, dizendo que, quando a cigarra bate à porta da formiga para fugir dos malefícios do inverno, a formiga responde: “Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.” Considerando o texto de Lobato, a reflexão mais imediata nos conduz a questionar o paradigma artístico-social ainda vigente: Será a arte, em suas mais diversas manifestações, um “trabalho”? E como tal, precisará de condições e salubridade que permitam sua execução, por conta de um fazer que além de sublimação estética, se coloca como prática laboral geradora de capital?

Outro autor indispensável para a nossa análise acerca do fazer artístico é o músico, filósofo e teórico da comunicação T. W. Adorno. Discípulo de Berg e crítico arguto do capitalismo, emprega o termo Indústria Cultural para falar de bens de consumo intangíveis, onde o valor agregado não reside só no usufruto do cliente versus o custo da produção, mas passa à, como diz Jessé de Souza em “A Elite do Atraso”: [...] produzir homogeneização psíquica “por baixo”, de modo a poder garantir a maior vendagem possível de mercadorias simbólicas[...] Nesse panorama perverso da indústria cultural, o objetivo do fazer artístico-musical passa a ser dominado por uma elite, que, na melhor das hipóteses, quer a precarização do fazer artístico, vendo-o como supérfluo, dispensável e alienante.

Em matéria recente da Folha de São Paulo, no dia 7 de agosto, de Paula Soprano e Bruno Santos, a manchete: “Metalúrgico, Músico, doméstica, atendente de Fast Food; brasileiros despejados vão morar na rua” denúncia o drama desses profissionais que não conseguem, durante a pandemia, fazer frente às várias despesas básicas do orçamento doméstico. A precarização do trabalho atinge a todos. Tema urgente no meio artístico-musical, com suas frequentes reestruturações, excetuando músicos cujo sucesso exponencial se iguale a Igor Stravinsky, John Williams e Beyoncé, todos os outros precisam diariamente lidar com as infindáveis crises do capitalismo e ver seu fazer ser alvo das famigeradas “políticas de austeridade fiscal”. Os desdobramentos sobre o tema vão desde a análise dos capitais simbólicos, do filósofo francês Pierre Bourdieu, à tiktokização e uberização do trabalho artístico.  Será o fazer do esteta sonoro um “emprego”, e como tal merece todos os vínculos provenientes de uma legislação ampla sobre o tema, assim como seguridade social ou, a prática artística refinada; a musicalidade saudável e consciente; são meros passatempos didáticos de uma elite atrasada?

Para debater esses e outros temas contaremos com o belo trabalho da flautista, formada pela Academia da OSESP, e Mestra em Sociologia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais: Júlia Donley.